quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A MANCHA

Era um pote ínfimo, que abri e, descuidada que sou, terminei por derramar o liquido vermelho-sangue no meu peito. O encontrei no fundo de uma gaveta esquecida e nem me lembrava de tê-lo adquirido. A tinta vermelha porem, ao tocar minha pele clara, parecia ganhar vida. Escorria esplendidamente, suprema, intensa, achando por fim ninho no seio nu que a recebia como se por ela esperasse a vida inteira.
Sorri. E segui para o banho.
A água escorria inutilmente... a esponja ensaboada se provou dispensável. Eu esfregava com toda a minha força, mas a tinta, esperta, agarrava-se ao seio desdenhando meu esforço, e ali permanecia, deliberadamente reluzente.

Tentei com álcool, acetona, e tudo que me vinha a lembrança. Após um mês de tentativas mal sucedidas de me livrar da mancha, me convenci de que era inútil lutar contra ela. A mancha em meu peito permaneceria. Permaneceria até o momento que ela mesma resolvesse, cansada de me pertencer, sair, gradualmente, ou talvez de forma inesperada, mas sempre de acordo com sua vontade soberana.
Então a escondi sob a blusa negra e fui à rua.

As pessoas que por mim passavam, pareciam desconfiar. Algumas, em duplas, trios ou grandes grupos, falavam baixo, escondendo com as mãos a boca que dizia algo, e eu sabia, era da mancha que falavam.
No trabalho, uma bondade inesperada recebia-me, no rosto solidário dos colegas, nos alívios de prazos, nas regalias que me eram concedidas sem muitas explicações.
Meu amante passou a enviar-me flores e a ligar mais frequentemente.
Minha gata, que jamais deixara de fazer seus passeios noturnos, agora dormia, cuidadosa, em minha cama.

Nada disso porém me assustou mais que a mudança em meu próprio comportamento. Eu andava cabisbaixa, lenta, reclamando de coisas que em geral não me afetavam. O calor agora me incomodava mais que nunca. Era mais difícil levantar-me da cama a cada dia. Era como se a mancha ganhasse um peso enorme, e me jogasse para baixo cada vez que eu tentava me por em pé. Não fosse a tolerância que eu sabia que me era dirigida, teria perdido o emprego. Chegava cada vez mais atrasada e não era raro eu sair mais cedo, por não me sentir tão bem.

E foi um desses dias enquanto eu voltava mais cedo para casa, caminhando a passos moles, que meu amante me ligou.
-Onde você está?
-Chegando na rua de casa.
-Sozinha? Está na rua sozinha?
-Estou.
-Não ande mais. Me espere. Passo de carro te pegar e vamos pra tua casa.
Eu já não queria. A mancha me havia roubado a libido.
Ele insistiu.

Parei encostada na parede de uma casa. Notei que estava ofegante. Lembrei que não havia comido nada aquele dia. Estava tonta e até esperar me parecia uma tarefa estressante. Foram dez minutos. O carro parou e ele desceu e abriu a porta. Eu devo ter dado um passo e então ele se adiantou, caminhando até mim e me pegou no colo.
-Não quero que você ande. Está debilitada.

Larguei-me em seu colo e ele me pos deitada no banco de trás.

Em casa, ele gentilmente preparou uma refeição. Comi um pouco. Agradeci.
A cama que assistira tantas noites de luxuria interminável, dessa vez era testemunha de uma cena piedosa. Piedade era o que ele tinha nos olhos. Os atos belos e dignos não eram mais os de uma mente apaixonada, e sim os de um bom coração. Eu sabia. Eu precisava apenas que ele me dissesse.

Levantei-me com esforço. Deixei a saia deslizar por minhas pernas. Ele assistiu com interesse. Talvez, talvez eu estivesse enganada. Comecei a desabotoar a blusa, lentamente.

-Não. Não faça isso.
-Por que?
-Deixe a blusa. Vem pra perto de mim...
-Não! Qual o problema?
-Não tire a blusa. Venha. Quero você.
- Eu sou o que há por baixo dessa blusa! O que há em mim que você não quer? Se teu amor não tolera as manchas dos fracassos, das inseguranças, dos medos que sim, tenho, se a parte mais obscura de mim não te pertence tambem, então nada mais em mim te pertence.
- Não. Não é assim. Você não precisa tirar essa blusa. Seja minha. Sempre. E que essa peça de pano esconda o mal em ti, e nos possibilite uma vida boa.
- Não! Me queira inteira. Ou saia, simplesmente!

Ele sentou na cama, derrotado. Tapou o rosto com as mãos.
Tirei a blusa, e a joguei em seu colo.
Busquei a mancha com o olhar.

Eu tremia. A mancha havia sumido completamente.

- Clara, entenda... Eu não posso abrir meus olhos.
- Não os abra. Vai-te. Fecha os olhos e vai-te. Jamais retorne.
- Mas, Clara, eu te amo.
- Eu sei. Mas você não me conhece. Vai agora.

Ele passou por mim, cabisbaixo. E eu senti. Um arrepio mórbido gelou meu corpo inteiro. Eu sabia. A mancha ainda existia. Não mais em mim. Ela agora brilhava no peito do homem que passava pela porta.


segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Dando A Bunda A Tapa

Esses dias fui entrevistada na comunidade BDSM Inicio Dificil.
Eu já previa que passaria por uma ou duas saias justas.... rs. O que eu nao sabia era que dar a bunda a tapa desse jeito, revelando minhas opinioes, mesmo aquelas que nao agradariam a todos, pudesse ser tao gostoso!

Foi libertador. Cada resposta uma nova chance de dizer "Sou humana. Tenho minhas incoerencias, como todo mundo tem. Nao sou nem quero ser exemplo de nada. Quero ser quem eu sou".

Mil obrigadas a todos que dedicaram um pouco de seu tempo fazendo perguntas e me permitindo esses momentos de expressao.

=)

E isso me fez lembrar de umas confissoes que eu um dia escrevi:

- Confesso que já senti solidão. Já dormi abraçando o travesseiro e sonhando com príncipe encantado.

- Confesso que tenho neuroses inconfessáveis. E uma ou duas obsessõesinhas...

- Confesso que já me senti nas nuvens em sessões de SM. E que já me senti também profundamente entediada, na mesma situação.

- Confesso que já fui ao céu assistindo cenas SM, como também já as assisti com o mesmo prazer de quem está sentado na cadeira do dentista.

- Confesso que já quis mandar tudo pro espaço... SM, D/s, amigos, família e bens materiais, e trocar tudo por uma cabana no monte mais solitário.

- Confesso que nunca consegui mandar tudo pro espaço... sem SM não vivo, sem a possibilidade da D/s. me entedio, sem os amigos e a familia, desabo.

- Confesso que acredito ter algum tipo de depressão crônica, algo que justifique um vazio que vem e vai, mas sempre volta, permeando minha felicidade.

- Confesso que me considero absolutamente perceptiva. Mesmo assim, já cometi erros e injustiças ao classificar pessoas.

- Confesso que já questionei o SSC, e que acredito nele apenas até certo ponto.

- Confesso que já olhei para os meus cortes e pensei “dessa vez eu exagerei”, enquanto o sangue escorria...

- Confesso que gosto de meninos e meninas... Que já me senti “uma estranha no ninho” quando minhas amigas se trocavam na minha frente, no banheiro. Que já evitei olhar e que já olhei descaradamente. Que algumas vezes esses olhares terminaram em noites maravilhosas...

- Confesso um certo arrependimento por ter saído com certas pessoas, por ter beijado certas bocas e deitado em certas camas.

- Confesso que tenho sim, um lado sádico. Nao que eu queira causar dor, mas ver um rosto se contraindo ao som de um chicote me leva às nuvens...

E após tantas confissões, eu agora espero que quem for falar mal de mim, fale! Mas dizendo a verdade...

KISS!


tavi