terça-feira, 19 de janeiro de 2010

CONT@TO



Antigamente, o contato direto, olhos nos olhos, permitia ao ser humano analisar melhor cada situação e cada pessoa, e dava-nos a certeza de que a linguagem corporal, como uma forma de permanecer em pé, ou um movimento muscular, como um franzir de testa, denunciaria sentimentos, tanto nossos, como de nossos interlocutores. Era tudo mais simples. Tudo mais direto. Tudo um pouco mais preto no branco.


A internet abriu um mundo de possibilidades. Ela nos trouxe a vantagem de que através dos comunicadores, dos sites de relacionamentos, e salas de chat, podemos retomar contato com pessoas que, em outros tempos, povoariam apenas as nossas lembranças. A Avó antiga contava aos netos histórias sobre o idealizado primeiro namorado. A avó atual, conta aos netos sobre o primeiro beijo. Eles perguntam: Foi com aquele careca no teu Orkut que vive enviando correntes? Nossa, que homem chato!
Também podemos facilmente matar as saudades de nossos queridos que residem em outros estados, ou até mesmo outros países. A internet abriu muitas portas e simplificou, sem duvida, nossas vidas.

Mas também é verdade que o contato virtual traz consigo alguns perigos. Uma falha de conexão em um momento delicado de uma conversa mais acalorada, pode ter sérias conseqüências. “Como ele pode simplesmente desligar o MSN na minha cara?” – você pensa, enquanto no Rio Grande no Norte, seu amor virtual olha pra janela, angustiado, torcendo pra que a tempestade acabe logo e a conexão retorne e possa lhe fazer uma jura de amor eterno, ou então, dar-lhe finalmente o “Foda-se” que lhe ficou entalado na garganta. Ou melhor, nos dedos.......

E dedos não são confiáveis. Quem já digitou por mais de três horas, bem o sabe. Uma letra em lugar errado e pronto, perdemos um amigo, um afeto ou um possível relacionamento. É como o caso de um amigo meu que havia conseguido finalmente o MSN da menina que ele tem admirado por muitos anos. Na sua saudação, ela havia escrito uma mensagem, dizendo que estava triste. Ele foi mostrar solidariedade:

Rogério: Jéssica, não fica triste assim.... Vem cá... Encosta sua cabecinha no meu pinto e se abre pra mim.
Rogério: ooops... pinto não, PEITO. Eu não quis dizer pinto, não...
Rogério: e o “se abre pra mim” não foi o pareceu.... RS... do lado de pinto pareceu coisa de tarado mas não era não
Rogério: Jéssica? Cadê você?

Há também a infelicidade das coincidências.... Em seu Orkut, numa tarde ensolarada, meu irmão conta que mudou sua “Status Message” para “OH HAPPY DAY”, o que expressava seu sentimento de felicidade naquele belo Domingo de sol. Dois dias depois, recebeu o seguinte e-mail mal educado de seu melhor amigo:

Você não precisava ter feito isso. Eu sei que você nunca gostou muito da minha mãe, sei que ela não te tratava muito bem e sei que vc, como todos os meninos do prédio a apelidaram de Dona Doida. Eu concordo que minha mãe era uma mulher geniosa, mas nunca esperei que você colocasse em seu ORKUT a frase “Oh happy Day” no dia em que minha mãe faleceu. Que falta de consideração. Estou te deletando do meu Orkut.


Deletar alguém do Orkut hj em dia, equivale a um assassinato. É algo grave, que machuca o ser deletado, as vezes mais que o ser traído. Conheço um casal que já não andava bem. A namorada trocou seu nome por três pontinhos, numa tentativa de exteriorizar a sua dor. O namorado se conectou e viu entre seus amigos alguém sem nome e sem foto. Não teve dúvidas. Deletou o ser misterioso. Horas depois recebeu uma ligação da namorada. Ela gritava:

- Você me traiu, e eu podia até passar por cima disso. Mas me deletar do ORKUT? O que meus amigos vão pensar? Alem de ter me traído, você me ignora e me DELETA. Pois bem, Delete-me de sua vida.

E lá se foi um namoro de dois anos.

E muitos e muitos namoros se vão por falta de cautela no ambiente virtual. Antigamente os infiéis não mantinham listas de contato, revelando todos os possíveis casos amorosos extra-conjugais que aguardavam sua vez. É comum, hj em dia, a amante, por “descuido” enviar uma mensagem de duplo sentido a seu querido, noivo de outra, sabendo que a oficial sempre passa pelo site de relacionamento de seu amado noivo, simplesmente pelo prazer de ali deixar uma mensagem de bom dia.

Os mais críticos, neste ponto, podem estar ressentidos com os infiéis. Não se deve dar-lhes razão, mas é preciso dar-lhes o atenuante de que a internet cria um ambiente absolutamente propicio às traições. Alguns recursos da rede a tornam parecida com um grande mercado de pessoas, que qualquer um pode freqüentar em seus pijamas, desde que tenha uma boa foto tirada em frente ao espelho para disponibilizar. E quem, sendo absolutamente honesto, pode afirmar que não tem em sua lista um amigo, um ex namorado, um conhecido do escritório que, vez por outra, envia um emoticon não muito apropriado? Ou demonstra uma preocupação ou um carinho levemente excessivo? Resumindo, todos nós somos desejados, ao menos moderadamente, tendo ou não consciência disso. Considerando que todo ser desperta desejos, qualquer um que tenha mais de 50 pessoas em sua lista, não poderia, sem fazer uso de hipocrisia, negar que é bem possível haver um certo numero desses, aguardando uma chance de demonstrar que nutrem por nós, alem de amizade, o famoso “algo mais”.

A grande vantagem disso tudo, é que aprendemos a conviver com a humanidade dos seres. Fica explicito que não existe perfeição, nem na conduta, nem no uso do Português. Fica inegável que gostamos de ser admirados, que amamos falar de nós mesmos, que temos momentos de fúria e de profunda solidão. Tiramos conclusões precipitadas. Somos capazes de lidar com o fato de que outras mulheres desejam nossos namorados, e de que somos desejadas pelos namorados alheios. São sentimentos. Não precisam virar atitudes. Podem ser negados, escondidos na ausência da tecnologia. Mas com a modernidade, vem a necessidade de nos olharmos mais no espelho, de nos assumirmos mais, de nos compreendermos melhor. A internet causa grandes mal entendidos, que, se analisados, esclarecem muito sobre a natureza humana. Cabe a cada um, quando cruzar com os defeitos alheios em qualquer sala de chat, exercitar a compreensão, ter um pouco mais de paciência... e apenas em ultimo caso, e frente à certeza da má intenção do outro, clicar alguém para fora de nossas vidas modernas.

=)

tavi